Ainda nos plácidos dias de sua vida que sempre foi de bonomia, humildade e generosidade, não obstante as guerras interiores que os dias nos obrigam a travar, sempre disse aos meus amigos que acima de Deus está a minha Mãe. Ainda nos dias idílicos em que o meu Pai me dava as mãos como se as desse a minha Mãe, como a suprir a ausência de quem tanto amou, sempre disse aos meus amigos que acima de Deus estavam os meus Pais. E depois de minha Mãe se evolar em meus braços, e de meu Pai partir de mansinho pela madrugada quatro anos depois, serei hereje, apóstata ou diabo, mas sem revolta nem ajuste de contas, os meus Pais continuam acima de Deus! Não por serem meus pais, mas por serem os pais que eram...
Neste dia da Mãe tolamente celebrado (antes era celebrado a 8 de Dezembro por ser dia da Imaculada Conceição, e para mim fazia muito mais sentido esse dia ou o 13 de Maio, porque se não para que existe o 19 de Março dia do Pai que é dia de S. José?) há Mães e mães, biológicas e espirituais, mas o facto de ser Mãe não confere automaticamente o título que sempre dizemos que merecem. Todavia, com tantos dias de tudo (só este mês temos, entre outros, o dia da Segurança Social, da União Europeia, das Famílias, dos Museus, das Telecomunicações, da Biodiversidade, do Bombeiro, da Energia...), corremos o risco de perder o significado e o valor do que se comemora, à semelhança do ruído em que estamos atolados neste ramerrão existencial, onde já não conseguimos perceber a maviosidade do canto de um pássaro pela geada matinal ou pela brisa de fim de tarde.
Mas se comemorássemos mesmo o dia da Mãe sem serem as estridentes publicidades do "ofereça-lhe um relógio ou leve-a a jantar fora", as Mães de verdade e não apenas as mães, eu contaria uma história de um homem que morreu e que quando chegou ao céu São Pedro não o deixou entrar. Uns dias depois, porém, S. Pedro verifica que ele se encontra lá sem que lhe tivesse dado autorização, e revoltado vai ter com Deus para pedir justificações, já que ele é que era o responsável pelas chaves do céu e da terra. "Este homem não tinha autorização para entrar aqui, como é que ele entrou?" - pergunta irado. E Deus responde-lhe: "Foi Nossa Senhora que me pediu e lhe abriu o alçapão". "E tu deixaste?" pergunta o guardião do céu ainda mais irado. E Deus respondeu-lhe "Sabes, Pedro, é que não se pode negar o pedido de uma Mãe"...
Um dia dar-me-ás de novo as tuas mãos, querido Pai, aquelas que te envergonhavas de dar aos manos e por isso lhes revelavas outros gestos de amor. E um dia, querida Mãe, o teu sorriso e bondade lembrarão porque é que nas coisas em que nos empolamos e julgamos ter razão, conseguimos pôr as pessoas entre a espada e a parede, mas nunca damos a estocada final. Porque para ti, a bondade está sempre acima da razão, e das lágrimas só devemos aproveitar a melhoria da alma.
"Por maior que seja o desespero, nenhuma ausência é mais funda do que a tua".
Sophia de Mello Breyner
"Procuro-te para além da espera
Para além do meu próprio ser
E, por tanto te amar, chego a não saber
Qual de nós está ausente".
Paul Éluard
Para além do meu próprio ser
E, por tanto te amar, chego a não saber
Qual de nós está ausente".
Paul Éluard
Não me disseste que o Amor tinha cheiro, Pai, porque quando o exalo ao dar-te as minhas mãos, ou tudo deixo cair em teu nome, Mãe, adormeço e os anjos dizem-me que estão cá...
