Devemo-nos muito. Das lágrimas sentidas, das dores suportadas, das ilusões impostas, das expectativas goradas, dos silêncios mortais. Das alegrias contagiantes, da tolerância dada, dos abraços oferecidos, das ajudas prestadas... Está sempre em nós a descarga vital da cura, mesmo quando é o outro a activá-la! Sorridentes ou formais, devemo-nos muito, embora outorguemos a causas exógenas a capacidade de nos erguermos! Mas somos nós que caímos, que nos levantamos, que expiamos a esperança ou a culpa, que nos reconhecemos impotentes ou capazes de viver sós. Quando compartilhamos a felicidade ou desabafamos a dor, já a alegria se ínstalou ou carregámos a cruz, mas atribuímos sempre a forças exteriores aquilo que foi massa própria, matéria prima pessoal! A questão, a grande questão, não está no sentirmo-nos devedores das nossas próprias forças, mesmo na fragilidade e desencanto, ou de cantarmos louvores e seguranças nos viés da vida! A questão, a grande questão, reside na humildade ou na arrogância com que trabalhamos os dados, na simplicidade da nossa própria oferenda ou na veleidade de nos acharmos melhores ou autosuficientes. E é aqui, neste exacto ponto da nossa própria consideracao, que muitos se desvalorizam e tantos outros se enfunam como se ostentassem medalhas sem perceber o que é Ser!
Sim, devemo-nos muito. Da força que damos à força que recebemos! Mas cair no narcisismo interior ou esvaziarmos o que somos sem reconhecer os atributos, são ambos erros na concepção de ser e de estar na vida. É sempre em nós que reside a cura, mas também a atenção necessária a tanta vaidade disfarçada em serviço ou simpatia. Cada um de nós é um mundo, mas cabe-nos torná-lo habitável ante a consciência de que jamais seremos alguém sem o outro, jamais amaremos sem o outro, jamais nos realizaremos sem o outro, jamais nos alegraremos sem o outro e, por isso, jamais viveremos sem a inter-relação. Bastaria fazer a experiência aos mais cépticos! Devemo-nos muito, mas se calhar foi sempre o outro quem nos deu a chave para ser...
Hoje deixo-vos este som...
Da próxima vez, talvez grave de dia, mas para já, este marulhar no silêncio da noite...