22.5.22

DO DIA DO ABRAÇO

 


No dia do abraço que hoje, domingo, se comemora, e porque o Homem é um ser relacional, é importante reflectir no quão curativo um simples abraço é, desbloqueador e terapêutico, porque precisamos do toque, é intrínseco à natureza humana, e ninguém se desenvolve saudavelmente, se não tiver essa latitude do contacto, ao ponto de haver terapia pelo abraço, tal como existe a terapia do grito, por ex.

Muitas pessoas negam-se às mais elementares manifestações de carinho e afecto, em nome de uma veleidade pessoal de suposta autosuficiência, o que constitui uma mentira existencial, numa sociedade já por natureza egocêntrica, fechada em si mesma, e, sendo ela o somatório dos indivíduos, então cabe, a cada um de nós, fazer a nossa parte, porque também as neuroses colectivas e os desajustes emocionais, começam igualmente pela negação da satisfação de necessidades básicas, como o toque, o sorriso, o abraço prolongado, o desabafo... como fonte de higiene mental.
Um abraço
cura. Um beijo cura. Um sorriso cura. Revigora a energia psíquica, humaniza, pacifica! Mas muitos persistem na ostentação obtusa do "self made man" levando ao exagero a distância interior, e julgando-nos metidos numa couraça vistosa, sufocamos a nidificação da própria alma! No reverso de uma moeda guerreira, opulenta e forte, está sempre a fragilidade de um amor autonegado.
Muitas sessões psicoterapêuticas poderiam ter sido desnecessárias, se simplesmente consciencializássemos que, abraçar, desabafar, partilhar, rir, chorar, saber ser saudavelmente louco (tristes dos ditos "normais", porque não vivem metade do que, gratuitamente lhes foi dado), são caraterísticas humanas naturais que sustentam o nosso edifício psicológico e mental.
Devo, ressalvar, porém, que, se em situações normais, um amigo, ou mesmo um desconhecido - que estava igualmente só, num café ou numa sala de aeroporto, ou a aguardar uma consulta, ou sentado a nosso lado numa viagem, whatever -, e, que, momentaneamente, durante a conversa foi o depositário das nossas preocupações, ainda que não diga nada, é do mais saudável que há, porque reciclou o nosso lixo emocional, tirando-nos muito do peso que, até ali, nos sufocava.
Todavia, se estivermos numa situação onde já a animia nos invade, o cansaço físico e mental, as lágrimas. a confusão, o desespero, o Outro, o amigo inesperado ou de longa data que, de alguma forma nos ouviu, serve para desabafarmos, continua a ser um descompressor natural, mas, nestes casos, devemos perceber a diferença entre um amigo, com quem desabafamos, e a ajuda especializada.

De resto, um "estou aqui", um simples sorriso e/ou mesmo o silêncio em que o outro lhe compreende a comunhão, é bálsamo na prossecução da caminhada, porque importante não é a rua habitual, mas os becos que nela desembocam.
E há muitos pedidos mudos e envergonhados, numa espécie de esquizofrenia afectiva, porque quero, porque preciso, mas porque depois penso que isso é sinónimo de fraqueza, e que mais vale suportar a solidão da neurose, e o sofrimento encapotado por um suposto desprendimento em forma de segurança e força, porque, admiti-lo, seria reconhecer que, também ele, necessita de suportes emocionais, como se isso não fosse intrínseco à natureza humana, em vez de nos robotizarmos. Não pode haver maior engano.
Abraçar, não é tocar no Outro como se passasse rapidamente a mão num superficial cumprimento. Abraçar verdadeiramente, mesmo sem palavras, é dar
um abraço
com os dois braços, num ritmo de interioridade, lento, demorado, numa linguagem sem palavras, porque é, também, um toque de alma, que se complementa na linguagem do corpo.
A auto análise e a redescoberta de nós mesmos nas potencialidades e limitações, estará sempre incompleta, se não se fizer também no processo relacional, mesmo naquele que possa incomodar, porque é nesse incómodo que o Outro nos diz quem somos, nos interpela sem saber, a descobrir e interpretar o significado desse incómodo, tal como é na sensação de bem estar e identificação interior, que damos pulos e avanços na assumpção de que, afinal, há tantos como nós, em caos e dor, mas também na capacidade directa ou tácita de que juntos somos mais fortes, em sensações profundas de uma humanidade que se constrói e partilha e aceita assim, devedora da afectividade e da entrega, e credora de tanta beleza no deserto da alma que julgávamos ser o fim.
Precisamos de ir além de nós, porque, como diz um provérbio africano: "sozinhos vamos mais rápidos, mas juntos vamos mais longe!"
É que só temos uma vida, e não é a sua duração, por natureza tão curta e limitada, que a qualifica, mas sim a qualidade com que a vivemos.