22.2.23

QUARTA FEIRA DE CINZAS

 



Hoje é 4.feira de Cinzas, com as quais, simbolicamente, é feito o sinal da cruz pelo sacerdote na cabeça dos crentes, enquanto diz "Lembra-te que és pó, e ao pó hás-de voltar".

É um gesto a lembrar ao Homem de que nada vale a sobranceria, maledicência, orgulho, inveja, carros, roupas caras, relógios de ouro, excepto as atitudes que teve perante a vida e com o Outro, já que a vida somos nós que a fazemos, não uma predestinação a cumprir.

Chegando o seu último suspiro, tudo o que tinha deixou de ter, e de que lhe valeram as guerras, o dente afiado, a hipocrisia, o constante alimento do ego, o desejo infantil de querer agradar a todos, porque as coisas acontecem na mesma independentemente do nosso desejo?


Está, agora, literalmente reduzido a cinzas (como nos crematórios), e é apenas pó, e nem no caixão leva absolutamente nada, nenhum troféu ou o mais raro e valioso bem material que possuía...

António Damásio, - o neurologista e neurocientista português, conhecido por obras como:
"O Erro de Descartes",
"Consciência de Si",
"Sentir e Saber", ou
"A estranha Ordem das Coisas",

entre outros, trabalhando, não só no estudo do cérebro, mas, sobretudo, na implicação das emoções -, tal como o celebrizado Daniel Goleman, ou Carl Rogers, entre outros, tratam precisamente de um tema onde Jesus Cristo é um belíssimo exemplo: a inteligência emocional.

Há autores que escreveram precisamente sobre isso, aplicando o tema a casos concretos, como o psicoterapeuta Augusto Cury ("Análise e Inteligência de Cristo" ou "O Mestre da Sensibilidade"), analisando a sua atitude perante si mesmo, e tentando perceber a dos outros, tal como a sua reacção perante os acontecimentos, espelhada numa dinâmica comportamental.

Cristo soube fazer a denúncia do achincalhamento da dignidade humana, sem se render aos poderes instituídos, políticos e religiosos, embora, também, sem os desrespeitar ou convidar à insurreição!

Geraram-se grupos à sua volta, que o apoiavam como o libertador de querelas políticas, mas Cristo sabia ler acima das minudências e manigâncias, e também do aproveitamento que dele tentavam fazer.

Mas não pactua: denuncia. E soube denunciar com frontalidade e coerência, ao ponto de perder amigos, como previra com a negação de Pedro ou a traição de Judas!

É um tempo de reflexão, a Quaresma que hoje se inicia, e que termina no Domingo de Páscoa.

Saber dar a vida por aquilo em que, conscientemente acreditamos;

viver de forma coerente, independentemente do apreço ou troça alheios;

entender e compreender as emoções começando por ouvi-las, para depois as sabermos gerir;

fazer silêncio dentro de nós, por oposição ao ritual frenético do ruído da existência, e do excesso de estímulos a cada segundo...

repensar as nossas crenças sobre nós mesmos e sobre os outros,

desconstruirmo-nos diariamente, para diariamente nos voltarmos a construir...

Independentemente do plano divino e espiritual, Cristo era, igualmente, um Homem e, por isso, se irou contra os vendilhões do Templo,

sentiu a solidão enquanto os amigos (apóstolos) dormiam;
a negação de Judas e a traição de Pedro;

o caminho a pé, a determinada altura já de joelhos com a cruz às costas que os soldados romanos o obrigavam a levar,

a humilhação da néscia população, que quando lhe foi perguntada por Pilatos, quem queriam que soltasse por não ver culpa em Cristo, e perguntando à multidão "que crime cometeu ele?", mas sabendo que o tinham entregue por terem inveja dele, e porque não conseguia acalmá-los,

( embora, sabendo em consciência, que seria uma decisão iníqua e sem qualquer justiça, ou fundamentação que não a inveja),

vendo que o não podia libertar depois do julgamento, e com o povo a começar a revoltar-se, mandou, então, trazer água, e diante da multidão lavou as mãos e disse que não era responsável perante a morte daquele homem, rematando: "isso é com vocês".

Mandou, depois, soltar Barrabás como tinham pedido, ordenando, a seguir, que o chicoteassem e entregassem para ser crucificado...

a dor de ver as lágrimas da mãe pelo caminho enquanto carregava a cruz até ao Calvário;

a crucificação excruciante como faziam aos malfeitores e criminosos, pregando-o literalmente numa cruz;

o olhar para a mãe e um amigo mais próximo, João, dizendo "Mãe, eis aí o teu Filho", e voltando-se depois para João, dizendo: "Filho, eis aí a tua mãe"... expirando, de seguida, na cruz...


Em todas estas e outras situações, foi sempre o controlo das emoções, a entrega incondicional pelos homens, a autoconfiança na sua pregação,

- (um discurso que equivaleria hoje ao autodesenvolvimento, à independência relativamente às circunstâncias, valorizando primeiro a sua autoestima, mas sempre colocando o Outro no mesmo nível de atenção e ajuda, não um mero emponderamento pessoal, que, se não estivermos vigilantes sobre nós mesmos, tem o efeito da sobrevalorização, e, com isso, um padrão comportamental de superioridade), -

foi esse controlo, bebendo no seu próprio interior a força e a forma como (re)direcionava as emoções, que o ajudaram a suportar com a serenidade possível, num quadro profundo de angústia e ansiedade, toda a trama política e religiosa de que foi alvo...

Perguntaram a várias crianças o que era o amor, e Max, uma criança de 5 anos, respondeu: "Jesus podia ter dito palavras mágicas para os pregos caírem no chão, mas ele não disse isso. Isso é amor".