15.9.09

QUANTO BASTE À DOR



Não pretendo fazer a apologia do sofrimento, nem tão pouco um elogio, mas ao contrário do que muitos de nós pensamos, o sofrimento educa-nos para outros valores, outros prismas da mesma realidade. Por meio dele tornamo-nos mais homens, mais fortes, mas empáticos, ainda que pela negativa. Por meio dele aprendemos a frágil condição humana e, paradoxalmente, é este diferente sentir que nos confia o mister de viver, mesmo quando somos naíves em acreditar no ser humano.

Nietzsche escreveu que “só o grande sofrimento é o grande libertador do espírito”, e Camus refere que é ele que ensina tudo! O próprio Cristo é a face visível do sofrimento, mas não de uma forma estóica ou masoquista, antes de uma força libertadora que provém do próprio sofrer. Não se fala aqui de coitadinhos, de curiosos, de reality shows, mas de acidentes reais do viver que por sinuosas estradas nos levam a sofrê-los por inteiro, sem dó nem piedade, como o trepidar de uma bala de canhão que subitamente ecoou no nosso armazém desprotegido. E sofrer faz doer, estigmatiza-nos até à medula, cristaliza as lágrimas e deixa-nos num longo e estéril deserto até à revolta ou insensibilidade! Mas a nossa atitude perante a dor, pode ser o passo de gigante que de outra forma talvez nunca déssemos. Exangues no sentir, física e psicologicamente depauperados, moralmente abalados, tristemente vivos. É talvez nesta fase de atitude de aceitação para a mudança, que se compreende melhor aquele frase de Sting: “how fragile we are”! Porque quase desacreditamos a Humanidade.

Talvez aqui se compreenda a afirmação de que só os homens sofrem e os animais sentem dor. E fortalecidos pela não-lógica, podemos então ver os outros nas suas verdadeiras relações, e não já nessas aferições dogmáticas que apenas diagnosticam o exterior. Procurar o sofrimento é do mais patológico que há, mas saber aceitá-lo quando se interpõe no caminho, com uma atitude de resistência activa como quem procura retirar o que de produtivo possa haver nisso - por mais que o termo possa parecer estranho e desqualificado -, é imperativo. Mas é, acima de tudo, a capacidade de perceber o sofrimento, por menos racional que possa ser a sua fonte, que nos deve remeter para a experiência humana da humildade. E, dessa forma, lutar até ao limite pela dignidade diminuída, mesmo nos aspectos mais desonrados.