15.4.22

SEXTA FEIRA SANTA

 


É Sexta Feira Santa. Por volta das três da tarde, Jesus morre na cruz, vítima de uma trama política e religiosa, e com um grau tão grande de stress, que o suor é sanguinolento (hematidrose, uma situação rara provocada por um violentíssimo stress).

Escreve assim um paleontólogo: "A minha fé em Deus não é um puro assentimento racional a um credo abstrato. Deus não é uma ideia. Tão pouco uma divindade difusa no oceano dos confins do cosmos, como defende a New Age. O grande problema de muitos cientistas é que mantêm uma imagem infantil de Deus e essa imagem não se dá bem com a maturação de uma visão científica do mundo. O conflito cognitivo não se resolve e quebra na parte mais débil: a experiência interior. Sem vida interior, não é possível crer."
Este "sem vida interior", ecoa muito em mim, porque considero-o uma das mais importantes razões pelas quais não se ama, não se partilha, não nos tornamos solidários, não chegamos ao Outro nem às suas motivações, vivemos uma superficialidade existencialista muitas vezes sem darmos conta disso, não conseguimos gerir as emoções nos momentos mais difíceis...tudo porque não existe vida interior...
Jesus tinha essa vida interior e, por isso, protegia as suas emoções. "Se os soldados romanos O crucificavam, Jesus sabia que cumpriam ordens, e, que, por detrás de uma pessoa que fere, há uma pessoa ferida... Isso não resolvia o problema dos opositores, mas resolvia o dele, protegendo a mente e as emoções", escreve um psicoterapeuta num livro sobre "Análise e Inteligência de Cristo".
Curiosamente, Einstein dizia que "uma espiritualidade que não brota do contacto com a vida, com as injustiças de inumanidade, não é espiritualidade".
E quão verdade isto também é.
Voltando ao paleontólogo, "Deus não é um puro assentimento racional, e sem vida interior não é possível crer."
Eu diria mais: a Deus não se chega pelo esforço intelectual que d'Ele possamos fazer. Fé e razão são caminhos distintos que não se invalidam, tal como não se ama alguém por um esforço intelectual, porque é necessário sentir.
"Contacto", um filme de ficção científica do livro de Carl Sagan, com Jodie Foster, trata com muita honestidade intelectual a razão e a fé, fazendo Jodie Foster de cientista que tenta perceber um sinal que vem de Vega, a 26 anos luz, tendo os políticos tomado controlo do projecto, e decidir o que fazer com a comunicação, sem descurar as implicações religiosas, aqui representadas pelo teólogo Palmer Joss (Matthew McConaughey).
No fim, o padre responde à cientista:
"Procuramos o mesmo;
apenas por caminhos diferentes".

Theilhard de Chardin, tem uma frase fabulosa, onde diz que
"não somos seres humanos a viver uma experiência espiritual, somos seres espirituais a viver uma experiência humana...".
No mínimo, dá para reflectir!


É Sexta Feira Santa, quando a Ucrânia é invadida e um povo quase dizimado;

É Sexta Feira Santa quando os poderosos nada fazem do que dar sentido ao dinheiro mas não à vida.

É Sexta Feira Santa, quando pessoas sofrem no silêncio de uma depressão que só ela sabe ter; no esforço de quem tendo tão pouco sobrevive sem a esperança de uma vida melhor.

É Sexta Feira Santa, quando se carregam cruzes insuportáveis, doenças incapacitantes, diagnósticos com pouco tempo de vida, traições, solidão...
E, é em todas estas dores, que Jesus expira na Cruz, fazendo-se Homem que conhece a nossa dor e por ela dá a vida.

Seja como for, a fé é sempre um caminho pessoal de interioridade, num processo único de caminhada individual, jamais de imposição ou tentativa de conversão, é um encontro de certezas que só a dúvida desfaz...